Laize Minelli
A crise econômica, política e social da Venezuela chegou ao Norte do Brasil. Dados da Polícia Federal afirmam que mais de 50 mil venezuelanos já entraram no país pela fronteira de Pacaraima, em Roraima.
De acordo com a Carta Capital, o bolívar, moeda oficial da Venezuela, tinha sua cotação fixada em 10 por dólar, mas passou a ser a uma taxa mil vezes maior, com isso, a inflação sofreu mais acréscimo, indo de 720% em 2017, para mais de 2000% em 2018. Os dados do Produto Interno Bruto do país deixaram de ser publicados em 2013.
A onda de violência, escassez de produtos básicos de higiene e alimentação e o crescimento drástico da inflação forçaram o êxodo da população para os países vizinhos. Segundo o Observatório Venezuelano de Violência (OVV) foram registradas mais de 3000 mortes somente em Caracas, no ano de 2017, e o índice de suicídio foi o maior dos últimos 30 anos.
A gravidade do fluxo migratório levou o presidente da república, Michel Temer, a visitar Boa Vista na última segunda-feira (12) para buscar soluções junto ao governo e prefeitura do Estado. Ainda esta semana deve ser publicada Medida Provisória que dobre o efetivo militar na fronteira e permita o repasse de recursos do governo federal para solucionar a situação.
Para entender o contexto imigratório que estamos vivenciando, conversamos com o cientista político e presidente da Comissão de Relações Internacionais da Ordem dos Advogados do Amazonas (OAB-AM), Helso do Carmo Ribeiro.
Como está o atual quadro de imigração?
Em relação ao quadro atual em Roraima ainda que não temos números exatos, porque boa parte dos imigrantes chegam e viajam, mas se calcula que existam entre 35 a 45 mil oriundos da Venezuela, em Manaus o número é bem menor. O que ocorre é que boa parte dessas pessoas entra no território brasileiro e assim que pode pega avião ou um meio de transporte rodoviário para ir para outros lugares, no caso de Roraima eles vem pra Manaus e de Manaus eles tentam sair de barco ou de avião, aqueles que tem um pouco mais de poder aquisitivo.
É interessante que tem um trabalho do professor Júlio Simões, da Universidade Federal de Roraima, que mostra que a grande maioria dos venezuelanos que chegam ao Brasil tem um nível de escolaridade bom, segundo grau completo ou nível universitário, daí é interessante o enquadramento dessas pessoas na mão de obra especializada.
Como o Brasil deve atuar nos casos de pedido de refúgio e residência fixa feitos pelos venezuelanos?
Em relação a pedido de refúgio existe o Conare que é o Conselho Nacional de Refugiados, é um órgão que tem um vínculo com a Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados). O refúgio normalmente é concedido a pessoas que sofram perseguições, esse não é o caso dos venezuelanos que chegam aqui, ainda que boa parte deles indique ou façam requerimento de refúgio, eu diria que 99% dos venezuelanos que chegam não estão sendo perseguidos na Venezuela, mas estão procurando uma condição melhor de vida, principalmente emprego, então acho que o refúgio deva ser visto de forma extremamente criteriosa e normalmente o refúgio demora cerca de um ano e meio para ser analisado.
Quanto à residência, a gente tem que ver que a nova lei de imigração, que entrou em vigor em novembro do ano passado, a lei 13.445\2017, já determina que poderá ser concedido o visto humanitário. Esse visto temporário humanitário é justamente para situações de países em calamidade ou que se entenda que há uma necessidade de acolhida por algum contraponto, por alguma peculiaridade como é o caso da nossa irmã Venezuela nesse momento.
A Venezuela, ainda que esteja suspensa, ela pertence ao Mercosul e está sob a cláusula de livre circulação de pessoas dos países membros, o que facilita ainda mais a acolhida dos venezuelanos no nosso território.
Que atitudes o senhor acredita que a prefeitura e o governo do Estado de Roraima devam tomar diante dessa situação?
É interessante que a prefeitura de Manaus providenciou abrigo, principalmente para os índios da etnia Warao, inclusive foi premiada com o reconhecimento de acolhida humanitária pela Acnur, mas esse não é o papel fundamental da prefeitura ou governo, isso fica mais para a União.
Eu acredito que o Estado deva propiciar meios de boa acolhida aos que chegam, assim como a prefeitura de Roraima também para que não haja distúrbios territoriais por conta de pessoas dormindo nas ruas, utilizando água sem tratamento.
A melhor forma de lidar com a imigração é reforçar a fronteira e impedir a entrada ou fazer a distribuição de venezuelanos pelo território nacional, como sugeriu o ministro da Defesa, Raul Jungmann?
O reforço das fronteiras brasileiras é sempre bem-vindo no sentido de filtrar possíveis meliantes, ou mesmo pessoas que estejam com uma dívida na justiça de qualquer país, agora no caso específico dos venezuelanos a grande maioria não são marginais são pessoas que estão vindo ao Brasil em busca de melhores condições de vida, não é caso de polícia, cabe ao Brasil recepcionar da melhor forma possível, mas não se deve onerar, evidentemente, os Estados de Roraima ou do Amazonas. Eu acredito que tem condições sim de uma distribuição dos venezuelanos depois de definido um certo critério.
Como não são refugiados é preciso ver os outros critérios para ajudar e isso vai demandar um Estado complexo que vai envolver advogados, assistentes sociais, psicólogos para ver onde vai se alocar, lembrando que hoje nós também atravessamos uma crise e temos milhares de desempregados.
Já foram relatados diversos casos de xenofobismo por parte da população dos Estados que recebem esses venezuelanos, o que também foi visto anteriormente com os haitianos. Como o governo pode ajudar a combater isso? Estamos vivendo uma crise humanitária?
Aqui começo fazendo umas ponderações. Existem países na Europa que o número de estrangeiros chega a 10% de estrangeiros. No Brasil, temos 1%, não chega a isso, de estrangeiros que residem no Brasil e se comparar com outros países é muito pouco. Se pesquisar na Acpur você vê que o Brasil apesar de signatário do Estatuto do Refugiado ele recebe pouquíssimos em comparação com o Equador, a Colômbia, Argentina.
Cerca de 4 milhões de brasileiros moram no exterior, imigraram para lá, e nós não temos nem 2,5 milhões de estrangeiros aqui dentro. Isto serve de argumento inicial para o combate a qualquer prática de xenofobia.
A xenofobia é uma discriminação odiosa que tem que ser combatida, com um detalhe, a formação da população brasileira é fruto de uma miscigenação de inúmeras diásporas que vieram para o Brasil, para citar, os espanhóis, italianos, sírios, japoneses, ou seja, o brasil é uma grande miscelânea de culturas, o que é mais um dos motivos para evitar qualquer tipo de xenofobia.
Vai ser muito difícil alguém encontrar no seu meio os quatro avós oriundos da cidade em que vive, você vai ver que há uma mobilidade imensa. Vale a reflexão.
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