O estado do Amazonas apresentou recentemente marcas históricas no índice de queimadas e estiagem. O reflexo das chamas no interior do Estado refletiu na capital por semanas. Manaus chegou a ter um dos piores índices de poluição no ar do mundo.
Em entrevista ao Comun, Joel Araújo, superintendente do Instituto Brasileiro do meio Ambiente e Recursos Renováveis (IBAMA) no Amazonas, comenta sobre os desafios que o órgão teve durante o enfrentamento dessas crises ambientais e sobre como tem atuado para combater atividades de garimpo ilegal e a caça a espécies como o peixe-boi, entre outros crimes cometidos no interior do Amazonas.
Leia a entrevista:
COMUN – As queimadas, a estiagem e a fumaça trouxeram à tona um certo desfalque de brigadistas no Amazonas. Qual é a realidade dessa estrutura hoje?
No sul do estado são os casos mais graves de desmatamento e queimadas. Nós temos ali três brigadas, trabalhando todo ano. Esse ano, tivemos esse fenômeno que ocorreu dentro de um número maior de queimadas na região metropolitana, o que gerou a crise nacional, por volta do dia 12 de outubro. E nesse momento, com o Ministério do Ambiente, o IBAMA, instigado pela sociedade, pela imprensa, foi quem deu força à tarefa de brigadistas que trabalham com uma modalidade que a gente chama de pronto emprego, que são só aqueles que ficam fixos num local, em lugares onde são demandados. E aí, enviou pra cá, para região metropolitana, 145 brigadistas. O negócio foi fenomenal, a resposta à altura do problema. E aí, organizamos os colegas e eu participei nessa área, nesse trabalho de organização. Nós distribuímos os brigadistas dentro dos municípios de Careiro da Várzea, aqui em Carreiro Castanho, e, ao dado de tudo, nós conseguimos mapear o foco e se dividir em cinco equipes, e mais as sete que ficou ocorrendo em Carreiro Castanho, e nós realizamos também um curso de formação de brigadistas, para capacitar esses brigadistas lá em Carreiro Castanho. Infelizmente o processo de contratação dos brigadistas é de 6 meses, e eles têm capacitação, tem uma série de atividades, tem a questão do manejo integrado do fogo, que é uma parte que antecede o combate direto ao fogo. Então, eles têm muita coisa para fazer, são muitas demandas, e aí agora, no final do mês de novembro, encerrou-se o contrato dos brigadistas e a gente tem a expectativa agora de retomar esse contrato no ano que vem. É super importante, claro que a gente tem que entender a questão das competências legais. O IBAMA tem as competências federais, que são a BR, as vias federais e as terras indígenas, mas a atuação supletiva também no combate ao fogo, ela existe também no Estado. Então, a gente tem que ter um olhar sobre isso, o Estado tem as suas obrigações também, e os municípios também têm a sua obrigação.
COMUN – Quais são os piores gargalos que o Ibama enfrenta atualmente no Amazonas?
A estiagem, o El Ninõ, o verão, o fogo, a fumaça, trouxeram algumas demandas novas, né? Todo ano a gente tem o problema do desmatamento que ocorre no verão. Na verdade, assim, todos os crimes ambientais se agravam no verão. A caça, a pesca predatória, exploração de madeira, o desmatamento e outros problemas devido o fogo. Mas dessa vez nós tivemos outros problemas muito graves, como a mortandade de botos, que já era grave e se agravou ainda mais com a estiagem. Nós tivemos problema com a matança de peixe-bois. Mas o caso mais grave realmente, que nos fez provocar maior mobilização foi a questão do fogo na região metropolitana e no restante da Amazônia toda, que foi realmente muito acima do que esperávamos isso causou muita comoção na sociedade, na imprensa, e aí a gente teve que se mobilizar para atender uma demanda que não era da rotina do Ibama, a rotina do Ibama onde o desmatamento e as queimadas são prioridades.
COMUN – A estrutura do Ibama consegue cobrir essas novas necessidades, aliadas às que já tinham antes?
Não consegue. Por conta da dimensão do estado, nós temos aqui muitas terras indígenas que sofrem de diversos tipos de crime ambiental, desde a exploração de madeira, desmatamento, garimpo e caça. Então, a gente acaba tendo uma dimensão continental do Estado. É o maior Estado do país, é o terceiro maior Estado das Américas. Se o Amazonas fosse um país no exterior, seria o 16º em extensão territorial. Nós só temos o Ibama em Manaus, nós temos hoje 69 servidores, nem todos eles atuam em campo. A gente conta com a colaboração dos colegas de Brasília, o Ipaam também faz uma parte dessa, atende uma parte dessa problemática também, mas que é importante a gente reconhecer o papel do Arco-Estadual.
COMUN – Que pautas a frente do Ibama devem ser propriedade na sua gestão?
Nossa prioridade número um é diminuir o desmatamento. A gente tem conseguido bons resultados. As equipes dos colegas de Brasília da coordenação de fiscalização de fora têm vindo mensalmente no estado, nas áreas prioritárias. Nós adotamos uma estratégia de manter presença em campo como a principal estratégia para diminuição do desmatamento. Nós adotamos fortemente no município de Apuí, que é uma frente de avanço do desmatamento do estado. O município de Lábrea também, o sul de Lábrea, é outra frente grave do avanço do desmatamento e outros municípios também como Novo Aripuanã, Manicoré, Humaitá, Boca do Acre, Canutama, os municípios do sul do estado. Agora, mais recentemente, Tapauá e Maués, o desmatamento cresceu muito. Nós tivemos equipe na Operação GCDA, que é o Grupo de Combate ao Desmatamento na Amazônia, onde tivemos equipe durante o ano todo e isso provocou a queda do desmatamento do Estado do Amazonas. Os números devem ser anunciados pelo INPE nos próximos dias, mas adianto que nós não vamos ter uma queda menor que 75%, se considerado o período de janeiro a novembro de 2023. Nós tivemos algumas dificuldades, devido a estar ali naquele período de transição ainda, os desmatadores ainda muito estruturados, o desmatamento ainda estava estruturado, então, foi difícil desmontar essa estrutura. Para poder a gente enxergar a queda no desmatamento, infelizmente, nos meses de fevereiro e março. O estado do Amazonas foi o estado que mais desmatou no Brasil. Isso foi um recorde negativo, mas na totalidade do ano, esse mês de novembro, nós tivemos uma redução de 90%. Muito nos orgulha de estar participando nesse momento, de estar ajudando, colaborando, facilitando o trabalho dos colegas de Brasília, com a nossa presença institucional também, facilitando todo esse trabalho. Então, mas a gente precisa consolidar esses números nos próximos anos. E esse, com certeza, é o maior desafio. Na pauta técnica ambiental, eu diria que o desmatamento é o desafio maior na gestão, mas nós temos um grande problema ambiental no estado do Amazonas, que é a questão do garimpo legal.
COMUN – Quais são as principais denúncias que o Ibama recebe aqui no Amazonas?
Nós temos alguns amigos que estão espalhados pelo estado amazônico, são pessoas dedicadas a pauta ambiental e que nos ajudam com denúncias que envolve a comercialização da carne de peixe. O município de Coari, Anamã, Beruri foram municípios onde houve muita matança de peixe-boi, e houve o comércio. Essa situação já é típica, já acontece todo ano, mas nesse ano realmente se agravou, e é um problema, é um crime muito brutal, uma covardia muito grande, porque o peixe-boi já é uma espécie fragilizada pela própria essência da espécie, mas dessa vez com a estiagem e a diminuição do seu espaço vital facilitou a predação do peixe-boi e nós tivemos notícias da matança de grandes quantidades nesses municípios e outros municípios e nós tentamos atuar, atuamos em Coari, atuamos uma pessoa que estava comercializando carne de peixe-boi na feira municipal. Então, a gente noticiou isso para a imprensa, fiz uma fala contundente para a imprensa em relação à comercialização de carne de peixe-boi, de pescado ilegal dentro dos mercados, mercados principais, que é um absurdo total. Isso é com a participação, a omissão do município e dos gestores municipais, estão sendo previsíveis com o crime ambiental dentro de espaços públicos, então isso é inaceitável. Nós encaminhamos a responsável pelo mercado principal na delegacia, ela só saiu de lá após pagar fiança. Então, a gente precisa dessas medidas mais contundentes para poder dar um recado claro de que a sociedade não pode ser conivente com um crime ambiental. Crime ambiental é como um crime como outro qualquer, tem a lei de crimes ambientais de 19.605, de 98, que prevê pena de detenção para os crimes ambientais, então não pode ser tratado como algo normalizado, tem que ser tratado como algo criminalizado. Tratado como um crime e a pessoa tem que responder judicialmente por ele.
COMUN – Tivemos uma mudança no governo. Saímos de Bolsonaro e agora estamos no governo Lula. O que mudou no Ibama nesse processo?
Não dá para comparar, na verdade, existe um abismo entre a gestão governo Bolsonaro e o governo Lula. O governo Lula, por exemplo, ele empodera institutos de meio ambiente, do governo federal, do Ministério do Meio Ambiente. Então, é uma liderança global, combate ao aquecimento global, as mudanças climáticas, como o próprio Ibama teve uma série de melhorias. A gente, por exemplo, vai ter, esse ano, um acréscimo de 20% no orçamento de todas as unidades. A gente teve maior liberdade de poder falar na imprensa, a gente teve maior liberdade de poder atuar. Nós tivemos algumas operações muito significativas no Brasil. Uma operação que foi de combate ao garimpo da terra indígena e ao humano, que revelou, na verdade, que o que havia acontecendo era um genocídio, um etinocídio ao povo indígena e ao humano, as pessoas morrendo em função da contaminação e da pobreza que o garimpo levou para as comunidades indígenas da terra indígena e ao humano. Eu sou superintendente do IBAMA, hoje, com muito orgulho, estudei, criei e trabalhei a vida toda nesse estado. Estou no IBAMA desde 2007, através de concurso público e muito nos honra também porque representa os estudantes do Amazonas, a juventude do Amazonas. Fazer gestão de órgãos importantes e ser servidor da casa foi também uma forma que o presidente Rodrigo Agostini, o presidente do IBAMA e a ministra Marina Silva encontraram de valorizar a nossa carreira. Internamente nós conseguimos uma série de avanços.
COMUN – A respeito daquele caso da capivara envolvendo a deputada Joana Darc. Como o Ibama analisa a postura dela, que chegou a invadir o Cetas?
São duas situações distintas. O problema do crime ambiental cometido, flagrado, autuado e registrado. E a questão da invasão do prédio. A questão da invasão do prédio está sendo tratada na Justiça. Fiz a denúncia na Assembleia Legislativa também. Eu espero que seja caracterizado um crime que nós acreditamos que assim ocorreu, a deputada responda por esses crimes e possa servir de exemplo para toda a sociedade. Você não pode invadir um órgão público, você não pode criar um clima de ameaça aos servidores, você não pode ameaçar vigilantes, você não pode agredir vigilantes, você não pode depredar, influenciar as pessoas a um ato que é um ato antidemocrático, na verdade. As instituições públicas elas são constituídas justamente como um acordo social que nós temos de convívio, onde deve ser respeitado o órgão público. E assim, a gente delega ao servidor público, delega ao órgão público aquela sua atribuição. Então, ela tem que ser respeitada, esse time tem que ser respeitado. Enquanto ao senhor Agenor Tupinamba, por uma decisão judicial, a nossa avaliação é que foi extremamente danosa para a gestão ambiental, que vai ficar marcado na história, o prejuízo à fauna silvestre. É incalculável se outros magistrados se espelharem nessa decisão. Nós vamos ter um vasto problema no país de captura de animais silvestres para uso como pet e isso pode trazer uma série de problemas, não só para a questão da liberdade do animal, mas da fauna silvestre, porque a fauna silvestre tem a sua vida, tem a sua existência, tem a sua cadeia alimentar, tem seu ecossistema. Então ela tem uma participação, ela tem a sua característica genética, o seu genoma, e isso é muito importante porque se há a captura de uma espécie, por exemplo, da capivara, por mais que não haja a extinção da espécie, mas há a extinção da informação genética daquela espécie. Então, a decisão é extremamente danosa, mas nós a respeitamos. Nós providenciamos a entrega do animal como orientado pela Justiça Federal, e aí a gente está aguardando essa definição.
Ouça a entrevista na íntegra: