Manaus,5 de novembro de 2024

Renato Senna: “Estamos preparados para cheias, mas muito pouco para secas”

Distribuição Inpa

A seca no Amazonas coloca atualmente 60 municípios em estado de emergência. A estiagem histórica é marcada pelo massacre de botos por conta da alteração da temperatura das águas do Rio Negro. Os reflexos atingem setores econômicos e sociais.

Em uma entrevista franca ao Comun, o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Renato Senna, explica como o fenômeno El Niño chegou no Estado e afirma que o Governo do Amazonas já sabia dos possíveis efeitos, por meio de previsões mapeadas.

Confira a entrevista:

COMUN – Sobre a situação crítica de seca que o estado enfrenta hoje, quais são as reais causas dessa estiagem histórica?

Na verdade, houve uma previsão em que a gente ia enfrentar uma seca. Realmente a gente já tinha previsto alguma coisa, em meados de maio, e início de junho, a gente já tinha alguma previsão. Mas isso é um evento diferente dos outros porque se dá em razão de dois eventos climáticos, que normalmente não ocorrem de forma simultânea. Normalmente, a gente tem o que a gente teve no passado, seja em 2005, seja em 2010, período de furações como o furacão Katrina e tivemos a influência do El Ninõ, que é o fenômeno de aquecimento do atlântico na região do Equador. Essas temporadas de furacões normalmente sugam um pouco a água e ai impede a formação de chuvas aqui no Amazonas. O que acontece em 2023 foi que os dois eventos ocorreram absolutamente de formas simultâneas e a gente não tinha isso em torno de 25 anos de monitoramento, a gente não tinha nenhum desses eventos registrados até agora. Então realmente, se a gente conseguiu antecipar o evento, a gente definitivamente não conseguiu antecipar a magnitude dele.

COMUN – O governo do Estado chegou a ser alertado ou notificado sobre o tema?

Sim. Na realidade, a Defesa Civil, já entendia esse processo no final do primeiro semestre desse ano. Aqui normalmente, já há muito tempo, o Serviço Geológico do Brasil, CPRM, a gente aqui no Inpa, junto com o SIPAM, a gente tem um evento que antecipa as cheias do Rio Negro. Esse é um grande motivo de preocupação para a gente e a gente está bastante preocupado com esse processo. E é um processo, teoricamente, mais fácil para a gente ver. Ele começa normalmente no final de novembro, início de dezembro, e ele se estende até julho do ano seguinte. Então, é um processo de seis, sete meses e a gente já está acostumado com esse processo. O sistema de alerta de grandes secas que ocorrem no Brasil, esse já é um processo mais difícil e a gente tem se encaixado nesse trabalho deles e cooperado com eles. As Defesas Civis, sejam estaduais, sejam municipais, acompanham esse processo. Neste final de ano a gente já sabia que não seria uma cheia tão expressiva, uma cheia grande, a gente chegou a cerca de 28 metros, né? Mas a gente já antecipava que a estação seca talvez fosse um pouco mais seca do que normalmente é, mas não com essa magnitude de agora, isso realmente foi incrível.

COMUN – Existe a possiblidade da seca deixar problemas irreversíveis em bacias amazônicas?

É muito difícil explicar isso, mas o que a gente viu foi uma coisa que a gente nunca tinha visto. A seca do Lago Tefé, o deslizamento de bancos de areia, a gente está revendo as pedras rupestres né? Escrituras rupestres de 3, 5 mil anos atrás, a gente está vendo isso que a gente viu em 2010, a gente está vendo novamente agora. Eu não saberia te responder agora se isso é imersível ou não. O que a gente está vendo, infelizmente, é que desde o começo desse século, desde os inícios dos anos 2000, a gente está vendo cheias e secas mais intensas e mais frequentes. O que a gente está vendo é intensificação desses processos, tanto da enchente da região quanto das vazantes. Mas, enchentes, a nossa população é um pouco mais resiliente para ela, né? A população inteirinha sabe que a gente lida melhor com essas enchentes. Então, porque a grande seca, o problema social é muito grande? Ela tira o meio de transporte da nossa população, que é basicamente por meio das linhas fluviais, e aí tirando o meio de locomoção e transporte, as pessoas estão mexendo com o acesso à água potável, à educação, à saúde, à alimento, à fonte de renda… Então, é um processo social muito ruim e traz um prejuízo social muito grande em relação à população.

COMUN – Quais ações o governo do Estado poderia fazer para se antecipar nessa situação?

Então, o Governo, como a gente comentou, já sabia um pouco da situação. E eles tomaram diversas ações. A gente sabe que eles tomaram diversas ações para tentar mitigar um pouco desse processo, levando já as cestas básicas, com antecedência, condições de contabilidade de água e alguns acessos dessas populações, tentando medir esses processos dessa população. Talvez a gente tenha que começar a pensar, como a gente disse antes, que esses eventos podem ser mais frequentes e mais intensos. A gente também precisa repensar um pouco a nossa política de prevenção a esses eventos. A gente diz que está bem preparado, preparado para cheias, mas muito pouco preparados para secas. As secas, elas acontecem em um processo muito mais rápido, ela precisa de no mínimo 60, e no máximo 90 dias para se estabelecer. O que a gente vê em 2023 é um processo muito mais rápido. No momento esse processo de 60 dias normalmente começa lá no mês de setembro, e se acentua no mês de outubro, pra se encerrar no mês de outubro. Este ano que aconteceu no mês de setembro, de uma forma extremamente rápida. A gente viu baixar em setembro um metro a cada três dias. Não tem nenhum registro nessa série histórica desde 1900 de nada parecido com esse.

COMUN – Existe chances de acontecer novamente em curto prazo?

Possibilidades existem, sempre existem, a gente não pode descartar a possibilidade. Na verdade, a gente tem que se preparar para o pior, para esperar o melhor. A gente tem que estar preparado para a pior condição, no caso de acontecer. Bem, a possibilidade existe. O Oceano Atlântico, ele tem ciclos de aquecimento muito longos e hoje estamos no ápice dele. São ciclos de 60, 80 anos e a gente está no ápice desses ciclos. Nesses processos de aquecimento do oceano Atlântico, a gente provavelmente vai enfrentar condições secas muito intensas. Os oceanos ali estão sendo aquecidos, isso é uma coisa normal. Se a gente for ver, os oceanos na década de 80, na década de 90 estavam mais aquecidos, nos últimos anos 2000 estão mais aquecidos, em 2010 estão mais aquecidos, e agora estão mais quentes ainda do que na década de 90. Então, a gente tem eventos desta forma muito intensos e muito severos. Então, temos sim a possiblidade de ter ciclos de seca e cheia mais intensos.

Ouça a entrevista na íntegra:

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