Manaus,29 de novembro de 2024

Vereadores travam embate e se atrapalham ao levar discussão sobre “PL do aborto” para a CMM

A Câmara Municipal de Manaus se tornou palco de discussões sobre o Projeto de Lei 1904/2024, conhecido como o PL do aborto, que está em tramitação no Congresso Nacional. Sem autonomia para decidir algo sobre o assunto, parlamentares manauaras gastaram tempo de tribuna com o tema, nesta terça-feira (18/6). Demonstrando um certo despreparo na abordagem do assunto, alguns parlamentares até confundiram ao utilizar termos estupro e aborto.

Durante a sessão, vereadores como Raiff Matos (PL), Yomara Lins (Podemos), Marcel Alexandre (PL) e Roberto Sabino (Republicanos) defenderam o PL que, se aprovado, penaliza em até 20 anos vítimas de estupro que decidiram realizar aborto.

De acordo com Raiff Matos em discurso que abriu o tema na tribuna, a vida embrionária deve ser valorizada em sua integridade. O parlamentar sustenta que é contra a violência do estupro, mas se diz a favor da vida. Em dado momento de seu discurso, ele chegou a se confundir com as palavras e afirmou que “o estupro já é legal no Brasil” ao invés de usar a palavra aborto. Antes de se confundir, o vereador afirmou: “Esse projeto de lei visa combater violações aos direitos humanos, bem como o descumprimento da Constituição Federal e dos protocolos e diretrizes do Ministério da Saúde. Espero que os deputados tirem a venda dos olhos, porque pior que um estupro é um homicídio”, afirmou.

Marcelo Serafim

Após a abertura de discussões sobre o tema, parlamentares na Casa iniciaram uma troca de pedidos de ordem onde rechaçaram e defenderam o PL e a opinião do vereador Raiff. Marcelo Serafim apontou que é contra o aborto mas o PL é infeliz em sua totalidade. Estupro é crime e a vítima não pode ser penalizada.

“Esse projeto de lei, ele é uma infelicidade sem tamanho. Você penalizar uma mulher de uma forma mais rígida que um estuprador, velho do raiz, é algo que vossa excelência, como cristão, não pode defender. E eu entendo a fala de vossa excelência, mas faça esse reparo. Estuprador é estuprador. Vossa excelência e eu, nós homens, talvez não consigamos ter a dimensão do que é um estupro. As mulheres têm. Qual é a dimensão psicológica de um estudo? Qual é a dimensão, vereador Raiff, de uma criança de 11, 12, 13, 14 anos, como eu peguei na maternidade de Moura Tapajós, violentada por padrastos pelo namorado da mãe, por pessoas próximas ao seito familiar? Isso é muito grave. Eu não sou favorável.”, afirmou.

Marcel Alexandre e o pedido para a discursão ser normal

Marcel Alexandre, que também se atrapalhou do discurso, sustentou que o Projeto de Lei deve ser encarado da perspectiva de gestações indesejadas e não a partir do estupro. Para ele, a maneira como estão tratando o tema é anormal.

“Não podemos, principalmente nesse tema, que façamos qualquer avanço baseado em fatos de minoria. Daquilo que acontece menos, vai evitar o padrão para aquilo que acontece mais. Há mais nascimentos desejáveis fruto de amor, de relacionamentos consensuais do que de amor. Ou de amor, desculpa, de estupro, pois nós somos uma sociedade cuja maior parte do comportamento, do relacionamento é de estupro. É de relacionamento consensual, de amor, de movimento verdadeiro. Então, essa coisa que ela é diferente, que não deveria acontecer, mas infelizmente acontece, como o estupro, ou a famosa gravidez indesejada, e aí essas vertentes de parâmetros da decisão que vamos ter é um risco, é um erro. Então eu até faço um apelo que no discurso seja o padrão seja aquilo que é normal”, afirmou.

Rodrigo Guedes 

O vereador Rodrigo Guedes (PP) em seu pedido de ordem, pediu para que o vereador Raiff Matos refizesse suas palavras em torno do termo homicídio quando direcionado para meninas vítimas de estupro.

“Eu não consigo, vereador Raiff Matos, perdoe-me, concordar com a frase que a vossa excelência disse, pior do que o estupro é o homicídio. Vereadora Jacqueline, inclusive falando aqui para as mulheres, o estupro para algumas mulheres, pode ter certeza que algumas prefeririam morrer ali por dentro. Elas continuam, logicamente, vivas, materialmente falando, mas destrói todo o psicológico dessa mulher. Nós, homens, raramente o homem é vítima de uma violência sexual, de um abuso que inclusive também hoje, do ponto de vista legal, é considerado também estupro, do ponto de vista criminal, do código penal. Mas isso é uma realidade acima de tudo das mulheres. Eu não consigo relativizar e muito menos aceitar essa frase.

Professora Jacqueline: “Deus fez a gente para ser estuprada?”

A vereadora Professora Jacqueline fez um duro discurso contra as discussões sobre o tema adornadas por temáticas ideológicas acerca do aborto. A parlamentar citou casos em que acompanhou adolescente e estudantes estupradas que cometeram suicídio após a violência.

“Ninguém anda de saia, mulheres, para fazer do seu corpo aquilo que eles quiserem. Ninguém quer ser estuprado. As mulheres que provocam? não. Os índices de estupro com mulheres não são aquelas que andavam na rua de mini saia. É qualquer mulher que ande na rua, que jogam no meio da mata, estupram e abusam. Então vamos acabar com esse discurso de ideologia, “porque eu discurso porque o meu tema é família”. E que família é essa? A minha família eu posso proteger, e a família do outro não é? Só porque eu acredito nessa defesa ideológica? Vamos ter que ter muito cuidado, na fala da gente, a gente tem que ter muito cuidado. Muito discernimento no que se coloca hoje aqui nessa plenária, porque a gente pode revitimizar, a gente está revitimizando as mulheres, quer dizer, estupradas e também homicidas. Então vamos perceber que essa discussão não é uma discussão do que eu penso, do meu ponto de vista. É uma discussão que envolve sentimento de mulheres, sofrimento de mulheres e vocês não imaginem, eu não estou aqui para me vitimizar não, mas a gente acompanha muitas crianças em escola, meninas abusadas que se suicidaram, se enforcaram porque o padrasto abusou e a mãe, para não perder o provedor, ficou calada. Então as questões ideológicas, fico muito angustiada, porque tudo é Deus, foi Deus que colocou a gente pra ser estuprada? Quer dizer que a gente continua sendo a Eva que atentou o homem? Quer dizer que os homens continuam caindo na nossa conversa, né? Comendo a maçã do pecado?”, afirmou na Casa.

Yomara Lins: “a gente não pode pagar o mal com o mal”

A vereadora e pastora Yomara Lins abriu seu momento na tribuna afirmando que não vai levantar placa de igreja sobre o tema, mas como pastora avalia que a criança deve ter uma chance de viver. As palavras ocorreram logo após a fala da Professora Jacqueline.

“Eu imagino realmente a dor de quem está estuprado, né? Da jovem. Na verdade é uma dor que ninguém pode explicar. Então eu, como pastora, atendi várias pessoas que foram vítimas de estupros e também atendi pessoas que chegaram a fazer algum tipo de aborto. E ambos têm traumas. Tanto quem faz, quem sofre do estupro, mas também as pessoas que acabam… Tendo um tipo de aborto, matando sua criança, elas levam isso durante sua vida toda. Não estou aqui falando como pastora, estou falando aqui como mulher, como mãe, tenho dois filhos, tenho uma filha de 20 anos, oriente minha filha, mas mesmo a gente orientando nossos filhos, as nossas filhas, né, tem um mundo, tem todas umas situações que algumas pessoas acabam sofrendo algumas consequências. Então, mas pensando em toda essa situação, mesmo assim, a dor de quem sofre um estupro, um mal não pode ser pago com o outro. Nós devemos sim preservar a vida. dar o direito daquela criança poder nascer, poder ser um ser humano, poder ser uma pessoa digna, poder mudar aquela história. Independente de religião, não estamos aqui levantando nem uma placa de igreja, nem uma religião. Então eu sou contra, pelos meus princípios, não por religião, mas pelos meus princípios”, disse Yomara Lins.

Roberto Sabino 

O vereador Sabino sustenta que Raiff Matos foi mal interpretado durante o seu discurso e que a oposição e alguns políticos vão usar o tema contra Matos. “Vossa senhoria foi aqui vítima de uma má interpretação dessa Casa. Importa que a vossa excelência se importa com a vida e defende a vida. Colaboro aqui com esse tema, a gente lamenta muito que o supremo tenha legislado enquanto a Câmara Federal tenha se esquivado desse assunto. Enquanto isso a gente fica esperneando dizendo que somos contra mesmo, contra o aborto, contra o estupro”, declarou.

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