Fazer sátiras, piadas ou quaisquer atos que firam a religião cristã tornou-se crime no Amazonas, com punição de até R$ 500 mil em multa. A ausência de outras religiões sendo amparadas por essa lei é fruto de um parlamento conservador, que segundo o especialista Helson Ribeiro, é reflexo do bolsonarismo presente no Amazonas.
O projeto de lei, proposto pela deputada Débora Menezes (PL), chegou a ser vetado pelo governador Wilson Lima (UB), porém, o veto foi derrubado pelos deputados na Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), convertendo-se em lei na última quinta-feira (21). Com a lei sancionada, ficam proibidas ofensas e desrespeito aos códigos de doutrinas e crenças cristãs no Amazonas.
Eleita sob a onda bolsonarista, a lei da deputada Débora Menezes não ampara religiões de matrizes africanas, constantemente alvo de preconceitos religiosos.
Sem espaço
Liderança entre projetos voltados para a autoestima da mulher negra e de terreiro, além do combate à violência doméstica, Nochê Agonjaí Flor de Navê, ou Mãe Flor, classifica a Aleam como um “parlamento conservador e sem espaço” para o amparo a pessoas da sua religião. Pertencente ao Candomblé, Mãe Flor é também vice-presidente do Festival Cultural Balaio de Oxum, que promove caminhada contra intolerância religiosa e a valorização da cultura Afro Religiosa no Estado do Amazonas.
“Eu não me sinto representada pela Casa Legislativa. Acho que é muito conservadora! O que confirma isso é o porquê deles aprovarem uma lei que só beneficia um grupo exclusivo? Porque a lei não abrange outras religiões? Sendo o país laico e eles representantes do povo e não somente de uma ordem religiosa! O povo não se resume a um grupo religioso!”, afirma.
Além de criticar a falta de amparo da Casa com a população de outras religiões, a coordenadora da Renafro-Am, grupo que trabalha com a prevenção da saúde da população negra e de terreiro, ressalta ainda que o público cristão costuma ser os maiores autores de intolerância religiosa. “E não esqueça que esse mesmo grupo só trata as religiões de matrizes africana como demoníaca! É muita hipocrisia!”, completa.
Fruto do Bolsonarismo
Além de concordar com Mãe Flor, o cientista político Helson Ribeiro vai ainda mais além e aponta o conservadorismo do parlamento estadual como fruto de uma massa bolsonarista eleita em 2022. “A última eleição mostrou que Manaus, e se você for ver bem, a grande maioria dos nossos deputados, hoje são de Manaus e a capital votou 60% pró-Bolsonaro. Então, essa galera que entrou quer pegar um nicho do discurso conservador. Eu vejo às vezes hipocrisia nesse discurso e um nicho evangélico. Aí você criticar qualquer coisa do cristianismo é pra morrer no fogo dos infernos. Gostaria muito que todos os nossos 24 deputados estaduais e 8 federais tivessem a leitura de que vivemos em um país laico”, destacou.
Helson Ribeiro ressalta ainda que os parlamentares que se esforçam hoje em cúpulas em manter um discurso voltado para a religiosidade cristã se esbarram em divergências dentro da própria religião. O especialista cita o exemplo de conflitos entre católicos e protestantes. “Há todo um discurso com a etiqueta evangélica, com a bancada evangélica, e eles querem mostrar isso. Mas, veja bem, se você falar em Virgem Maria, a coisa muda. Eles se irritam se falar em religiões de matrizes africanas, como Umbanda e Candomblé, é quase como xingar a mãe deles. Então, nesse sentido, vai ser sempre privilegiado um cristianismo voltado para uma ideia neopentecostal, quando for um tema mais livre você é rechaçado”, completa.
O especialista encerra o tema comentando ainda que falta aos parlamentares cristãos usufruírem no parlamento daquilo que eles mesmos pregam a partir da bíblia e em seus mandamentos. “Isso me faz lembrar um Projeto de Lei onde queriam rebatizar uma praça, com o nome praça dos orixás e a bancada dita evangélica foi contra. Então, eu vejo que muitas vezes essa galera interpreta o amai-vos uns aos outros, um dos pilares mais belos do cristianismo, como um amai-vos somente os que seguem o seu credo, quando for diferente é para odiar”, finaliza.
O especialista se refere a uma cidade no sudoeste da Bahia, Itapetinga, onde parlamentares da bancada evangélica barraram a mudança de nome de uma praça pública para “Praça dos Orixás”.
Veja lei aprovada na integra
pl-008023Por: Jonas Wesley