Para alguém com um retrospecto tão vitorioso (dez títulos mundiais, três ouros olímpicos e cinco pódios em Jogos) e que ainda está em atividade, o judoca francês Teddy Riner estava surpreendentemente acessível. Na última sexta-feira (11), recém-chegado ao Rio para um período de treinos com atletas brasileiros, companheiros da categoria peso-pesado, não mais do que quatro veículos de imprensa desejavam falar com ele. E assim o fizeram. Riner, de 32 anos, atendeu atenciosamente todos eles e sentou no dojo montado nas dependências do Parque Aquático Maria Lenk para uma entrevista que mais pareceu um bate-papo. Falou em tom descontraído, mas também comprometido, sobre assuntos que têm ou não a ver com a carreira dos sonhos construída por ele.
“Eu sei a estatura que tenho no judô mundial”, disse, à Agência Brasil, Riner por mais de uma vez, não de forma arrogante, mas sim consciente do que já alcançou.
No judô é comum se valorizar toda e qualquer oportunidade de treinar com os adversários. A expressão corrente é “pegar no quimono”. O esporte é uma troca de informações em tempo real entre dois atletas. Para quem olha de fora, pode parecer má estratégia abrir um pouco o jogo para o adversário. Porém, é uma via de duas mãos. Treinar com ou até mesmo estar perto de Riner, no entanto, pode ter um peso descomunal para atletas que talvez nunca o enfrentem na vida. Ele é apenas seis anos mais velho que João Marcos Cesarino, de 26. Eles nunca estiveram frente a frente e, considerando a linha do tempo em que o francês vive (pode encerrar a carreira daqui a dois anos), possivelmente nem cruzem o caminho um do outro. Porém, dez dias ao lado dele (até o próximo sábado, 19) podem ter tanta ou mais importância do que anos de prática.
“Treinar com ele dia a dia faz a gente ter uma noção do que é o circuito lá fora. Ele é um peso-pesado que tem características de meio-pesado. Um pouco mais rápido, inteligente na pegada, tem golpe para todos os lados. Ele é uma referência para seguir”, destaca o atleta do Instituto Reação e da seleção brasileira.
O status de estrela gera curiosidade sobre outros detalhes. As primeiras impressões de Cesarino foram de um “cara família”, que gosta do esporte.
Poucos no Brasil conhecem Riner tão bem quanto Rafael Silva, o Baby, definido pelo próprio francês como um amigo. É verdade que no tatame Riner não costuma ser amigável com o brasileiro. A Federação Internacional de Judô (IJF) tem em seus registros oito duelos entre os dois, todos encerrados com vitória de Teddy, sendo dois deles nos Jogos Olímpicos do Rio e de Tóquio.
“O Teddy está nessa fase de tentar se inspirar para os próximos Jogos, quer melhorar a luta de solo dele. Eu também estou em uma fase de mudanças, de tentar ser um Rafael um pouco diferente nesse ciclo. Então acho que é um momento bem legal para treinarmos junto e tentar entender esse judô novo dele. Espero encontrar uma fase em que eu consiga lutar bem com ele”, admite o brasileiro.
Baby é prova viva do feito que alçou Riner à condição de lenda do judô. Durante mais de dez anos, precisamente 154 lutas entre 2010 e 2020 ele se manteve invicto. Foi ali que ele empilhou títulos mundiais e conquistou dois ouros olímpicos, em 2012 e 2016. Tantos triunfos o fizeram recontextualizar a importância de estar sempre competindo, e ele se deu de presente um tempo fora. Depois de quase dois anos sem lutar, ele retornou no fim de 2019 sem estar na ponta dos cascos e acabou derrotado pelo japonês Kokoro Kageura em casa, em fevereiro de 2020. Uma lesão no joelho impediu que adquirisse melhor ritmo, e ele chegou aos Jogos de Tóquio não tão bem ranqueado, caindo para o russo Tamerlan Bashaev, líder do ranking mundial, nas quartas de final e terminando com o bronze (foi ouro por equipes). Questionado se acredita que ainda estaria invicto se não tivesse optado pelo período sabático e posteriormente se lesionado, Riner escolhe o caminho da humildade.
“É complicado. Não sei. Quando entro no tatame, nunca sei se vou ganhar ou perder. Toda vez que vou competir, penso comigo ‘hoje você pode ganhar ou perder’. Nunca esqueço disso. Sei que o meu corpo já não é mais o mesmo, mas o lado mental nunca se perdeu”, revela aos risos.
Sorrir e responder com “não sei” foram duas tônicas da conversa com o judoca francês. Ele não se compromete sobre encerrar ou não a carreira nos Jogos de Paris, quando estará em casa. Não sabe ao certo quando será a despedida e brinca que pode até esperar até 2028, em Los Angeles.
Por mais que tenha consciência do patamar que atingiu dentro da modalidade, Riner revela não se considerar um super-homem. Detesta perder, até mesmo no videogame ou se estiver disputando algo com os filhos, mas sempre mantém uma atitude positiva e de certa forma brincalhona. Aproveito a deixa e pergunto se a recente derrota do PSG, clube que defende e pelo qual torce, para o Real Madrid pela Liga dos Campeões o irritou e o semblante rapidamente muda. Ele diz que é importante ter um bom grupo em competições por equipes. Mas logo volta ao clima jocoso.
“Na próxima vez que eu for a um jogo, vou falar com eles no vestiário. ‘Por favor, vençam’. Se não vencerem, mato vocês”, completa para mais risadas.
Não há questionamento que o deixa desconfortável, mesmo que ele não saiba a resposta exata. A fluência na conversa, mesmo que não seja na língua-mãe (Teddy às vezes pede ajuda no inglês), pode ter a ver com o fato de se sentir em casa no Rio de Janeiro. Literalmente. Quase que por acaso, quando o pergunto sobre o motivo de ter escolhido vir treinar na Cidade Maravilhosa para se preparar para a temporada de 2022, o francês revela que ama o lugar e que há um ano, inclusive, comprou um apartamento em Copacabana.
“Aqui conquistei meu primeiro Campeonato Mundial, aos 17 anos, quando vi que as coisas poderiam acontecer bem mais rápido do que imaginava para mim. O povo é muito legal comigo aqui. O Brasil é muito, muito, muito especial”, declara.
E assim, de forma surpreendente, a conversa que começou focada em conseguir um depoimento sobre uma carreira cheia de conquistas terminou com a revelação de que, depois de 2024 (ou 2028), existe a possibilidade de se esbarrar diariamente com Teddy Riner nas praias cariocas. Touché.