A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) venceu o 18º Prêmio Innovare com o projeto Órfãos do Feminicídio, que presta assistência jurídica e psicossocial a crianças e adolescentes cujas mães foram assassinadas por violência contra a mulher. A cerimônia de premiação foi realizada nesta terça-feira (07/12), de forma remota, com apresentação do jornalista Heraldo Pereira e transmissão ao vivo pelo YouTube a partir do Supremo Tribunal Federal (STF), sede do evento, e em cada local onde se encontravam os finalistas. Idealizado pelo Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem), o projeto venceu na categoria Defensoria Pública.
O Órfãos do Feminicídio tem como autoras as defensoras públicas Caroline da Silva Braz, coordenadora do Nudem, que deu início ao projeto em 2018; e Pollyana Souza Vieira, que coordenou o núcleo entre 2019 e fevereiro de 2020. A defensora Pollyana Vieira, que está de licença-maternidade, não compareceu à cerimônia.
Após o anúncio do resultado, a defensora Caroline Braz agradeceu à equipe do Nudem que atua no projeto e à administração da Defensoria pelo apoio à iniciativa. Agradeceu ainda ao Prêmio Innovare por possibilitar a difusão da prática, para que crianças que hoje se encontram na total invisibilidade, após a perda traumática da mãe, e que, ao mesmo tempo perdem o pai, preso ou foragido, possam ser notadas e acolhidas pelo sistema de Justiça. “Que esse prêmio venha tirar da invisibilidade essas crianças em todo o Brasil”, afirmou.
A defensora explicou que existe uma rede de proteção às mulheres, mas que, depois que a mulher morre, as crianças ficam completamente desassistidas. “A importância dessa prática é tornar essas crianças visíveis à sociedade, e mostrar que elas precisam ser acompanhadas. Por isso, a Defensoria Pública, com esse projeto, fazendo acompanhamento jurídico e psicossocial, tem tirado essas crianças da total invisibilidade”, acrescentou.
Caroline Braz também ressaltou que o projeto do Amazonas é o único de toda a região Norte que alcançou a final do Prêmio Innovare e que, ao vencer a premiação, pode contribuir para a criação de um protocolo que garanta, com agilidade, a assistência multidisciplinar às famílias que sofrem com o feminicídio.
“O grande impacto é poder levar para o resto do País essa situação. Acordar o Sistema de Justiça para a invisibilidade dessas crianças e, principalmente, estabelecer protocolos, para que, acontecendo um feminicídio, imediatamente as famílias sejam encaminhadas para a Defensoria Pública. Se tivermos um protocolo de obrigatoriedade de encaminhamento para a Defensoria, isso fará com que mais famílias tenham a oportunidade de ser cuidadas e que nesse momento trágico tenham um acompanhamento especializado e completo”, disse.
Reconhecimento – O Prêmio Innovare tem como objetivo identificar, divulgar e difundir práticas que contribuam para o aprimoramento da Justiça no Brasil. Neste ano, a 18ª edição da premiação teve como tema a Defesa da Igualdade e da Diversidade. O projeto Órfãos do Feminicídio concorreu com o Grupo de Trabalho de Mulheres e Bebês em Situação de Vulnerabilidade na Região Centro do Município de São Paulo, da DPE-SP.
O defensor público-geral do Estado, Ricardo Paiva, comemorou a vitória e disse que, além de ser um dia de alegria, o prêmio conquistado traz visibilidade a uma iniciativa da Defensoria. “Isso é só mais uma amostra do dia a dia da Defensoria, que muito mais que atendimento jurídico, presta apoio social àquelas pessoas que precisam de acesso à justiça, de direitos básicos, de políticas públicas”, afirma.
Acolhimento multidisciplinar – O projeto Órfãos do Feminicídio conta com atendimento da psicóloga Polyana Peixoto e da assistente social Márcia Moraes, que explicam que os impactos dos assassinatos das mulheres são muito abrangentes e profundos.
“A perda da mãe por feminicídio ou a exposição à violência doméstica podem refletir no desenvolvimento integral das crianças e adolescentes, uma vez que o ambiente que deveria ser seguro apresenta-se hostil. Pesquisas indicam que podem apresentar sinais como medo, ansiedade, humor deprimido, melancolia, explosões de raiva, distúrbios do sono e alimentação, ideação suicida entre outros”, explicou Polyana Peixoto.
De acordo com a psicóloga, o Órfãos do Feminicídio oferta acolhimento, escuta e referenciamento com a rede de políticas públicas, construindo espaços de cuidado individuais e coletivos para que vivenciem seus processos de luto e ressignificações sobre questões que envolvam violência de gênero. “As órfãs e os órfãos do feminicídio precisam ser vistos e acolhidos de forma integral, considerando suas diversidades, regionalidades, vulnerabilidades e potencialidades”.
Para a assistente social Márcia Moraes, o papel do assistente social é fazer de fato o acolhimento das famílias e identificar as reais necessidades, as demandas geradas após a ocorrência do feminicídio, indo além das questões processuais e legais.
“Existe toda uma mudança na configuração da família, com quem as crianças vão ficar. Tem ainda a questão dos benefícios socioassistenciais, questão de seguro, se trabalhava, questões do INSS. São inúmeras questões que aparecem. Cada feminicídio deixa em média três órfãos. São três crianças que precisam de encaminhamento. O papel da assistência social é instrumentalizar as famílias para que elas saibam dos seus direitos e possam buscá-los”, afirmou.
O projeto – Por meio do projeto, o Nudem fez um levantamento dos processos tipificados como feminicídio (consumado ou tentado), iniciados a partir de março de 2015, nas três Varas do Tribunal do Júri da Comarca de Manaus. No período, ao todo, foram analisados 84 casos de feminicídio em Manaus, dentre eles 52 tentados e 32 consumados.
Foram realizadas visitas a 28 famílias, porém, considerando os critérios de exclusão (casos de feminicídio consumados de vítimas com filhos) e as famílias que aceitaram participar do projeto e permaneceram sendo acompanhadas, permaneceram um total de 11 famílias. O projeto atendeu aproximadamente 60 familiares, entre filhos, filhas, pai, mães diretamente e indiretamente afetados. A defensora Pollyana Vieira também participou de um julgamento de um dos casos, no júri popular, como assistente de acusação.
Os dados mais recentes foram registrados de 2019 a agosto de 2020. Nesse período, foram analisados cinco casos consumados – nenhuma das vítimas deixou filhos.