Ivânia Vieira*
A fila do primeiro dia do ‘auxílio emergencial’ fez da porta controlada da Caixa Econômica o painel do outro Brasil. O país ignorado estava exposto nos fragmentos da multidão embolada diante do prédio do banco nas praças brasileiras: pobres na feição maior da pobreza, a dos despojados.
São R$ 600. Um direito conquistado numa dura batalha da sociedade para convencer o presidente desse país de que salvar gente da “gripezinha” é, neste momento, mais importante que salvar a economia. A “gripezinha’ é a mesma responsável por mais de 1,5 milhão de pessoas contaminadas pela COVID-19 no mundo e mais de 85 mil mortes (isso na conta feita em 9 de abril).
Outros brasileiros em situação igualmente desesperadora aguardam providências tecnológicas e da inteligência do Governo do Brasil para serem inseridos na disputa por essa ajuda. É mesquinha a postura governamental. Atrasou o quanto pode a decisão de socorrer as pessoas em situação de vulnerabilidade; vestiu-se da roupa mais burocrática para justificar a não-ajuda e decidiu andar por aí, produzindo tumultos, convocando os pobres ao trabalho. Afinal, a vida dessa gente não importa mesmo. Se mortos serão parte de um tipo de limpeza que governos desse feitio gostam de fazer.
Irão viver! Essa é a luta. Há vontade de viver e mesmo que a política de governo tente esconder esses brasileiros até desaparecerem da vista da elite, eles irão se apresentar, gritar, mudar o rumo das coisas.
Por que os bancos do Brasil tiveram ajuda de R$ 650 bilhões? Porque bancos e banqueiros são mais importantes na matemática do governo. Estes são os que devem ser apoiados imediatamente. Estes devem ser protegidos para viver. Aos outros, humanos, vale o empurra-empurra, a falta de resposta às perguntas desses brasileiros, muito dos quais, eleitores do presidente.
Os filhos do homem querem à volta da normalidade. Organizam carreatas. O que lhes custa? Não sabem o que é trabalhar duro, ‘pegar no pesado’ e estão hipoteticamente protegidos. Os empresários ligados ao homem também querem. Afinal, nunca se importaram com esses brasileiros tratados como obstáculos – a serem removidos já – aos seus planos de mais exploração, mais lucro e maior concentração de renda.
Um dia, os despojados e seus R$ 600 seguirão a pé, nas carroças, sem medo dos carrões importados, de vidros blindados, dos seguranças, na marcha de outra ruptura. Ele passará. Ficarão os passarinhos e suas cantigas do Manifesto da Floresta pela Vida.
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Jornalista e professora da FIC-UFAM.