Manaus,4 de novembro de 2024

Que as juventudes construam jardins

Ivânia Vieira*

O desenho do mundo expressa medo e terror. Na percepção de uns poucos a situação se resolve com reedições de decrépitas e perigosas decisões banidas pela maioria das sociedades porque foram compreendidas como práticas criminosas (a escravatura, as ditaduras, a negação de direitos à mulher, à criança, às juventudes, ao idoso, ao que têm outra orientação sexual, religiosa, ao deficiente físico e com transtornos mentais).

Novas leis, novos princípios e novas regulações passaram a funcionar nos países e nos continentes. Resultado de lutas intensas travadas por setores da população, coletivos das áreas de saúde e de educação pública, advogados, ecologistas e pela aliança de uma imensidão de mulheres, dos povos indígenas, dos negros, das juventudes.

O que as linhas grossas da arquitetura do mundo expõem é outro momento caracterizado pela negação crescente dos direitos conquistados pelos povos e pelas pessoas em suas diferenças. É a lógica do pensamento expressa nos conglomerados da mídia mundial num discurso semelhante que insiste no estabelecimento de um único jeito de perceber os povos da Terra: uns poucos devem ter garantias para triunfarem em riqueza e poder de domínio; a maioria deve ser submetida à pobreza, às guerras, à miséria e à morte.

Como enfrentar a prevalência dessa lógica? Ela está espalhada entre os poderosos e os seguidores deles numa busca patética do green card marcado pelo sangue derramado por inocentes. Em artigo reproduzido pela Carta Maior, o prof. Zeev Sternhell, especialista em história do fascismo, alerta sobre o avanço do racismo com ataques diários aos direitos humanos como algo natural na defesa dessa lógica restrita. Sternhell classifica esse racismo como próximo ao nazismo.

O que fazem os dirigentes do mundo na atualidade? Estabelecem regras desumanas de convívio e manejam o poderio (econômico, bélico e político) para fazer valer os mandamentos legalizando a expropriação e a matança de pessoas em poucos minutos ou lentamente pela sujeição delas aos longos processos de fome, desemprego, falta de moradia adequada, de acesso à água em condições de consumo, de atendimento integral à saúde; na negação à cultura, ao afeto; na naturalização do mundo de muros e do branqueamento como senha de êxito da espécie humana; as juventudes quando não são mortas do lado de fora lotam os presídios para morrer como esperança; e os expulsos das cidades mendigam o direito à vida nas praças do mundo, enfrentam o furor do ódio racista. Ainda assim, fios tecem ações de fraternidade.

O desenho do mundo é feito por cada um de nós em acordos com os Outros. As linhas podem constituir marcas numa ou noutra direção do nosso lugar no mundo do mundo em nós. A filósofa e ativista Vandana Shiva em um dos seus mergulhos de amor aos habitantes da Terra e à Natureza pede à juventude que nunca tenha medo. Que não tenha medo do poder falso, desonesto, cruel e siga na construção de jardins, no aprender a cozinhar com as avós.

O mundo pede que enfrentemos juntas e juntos o medo erguido pela hegemonia para encolher, asfixiar e banir a humanidade dos humanos. Podemos desenhar outras linhas se compreendermos que a violência é socialmente construída para beneficiar uns poucos; e se nos encharcarmos da vontade determinada de querer, sim, o direito de viver sem a presença do terror.

*Jornalista e Professora da FIC-UFAM

Publicado originalmente em A CRÍTICA no dia 28 de fevereiro de 2018.

Share

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *