Manaus,14 de novembro de 2024

Afeto virtual

Renata Paula*

Nudes não é novidade pra mais ninguém. Pelo menos toda semana alguém é exposto publicamente como veio ao mundo. O lado ocidente de cá ainda vê muito tabu em tudo isso. Mas o motivo do meu artigo vai um pouco além das fotos sensuais e de experimentar a sensação remota, porque não dizer lúdica, com alguém impossível. Pode ser a versão beta do amor platônico, até porque o amor em si é duvidável nesses casos, a própria internet está aí para me provar o contrário.

O que estou considerando é uma relação verdadeira que pode se consolidar apenas online. Pessoalmente cultivo relações assim desde quando eu tinha 11 anos. Um alívio por ser precoce. Aos 11 coordenava um grupo de juventude promovido pelo Sesi no Amazonas. Com um material educativo e debates sobre perspectivas de vida pude ser porta-voz de crianças e adolescentes de todas as raças e classes sociais.

Sabia identificar os tarados de longe, devo convir que a abordagem fosse mais sutil. Mesmo assim, ali ficou clara a importância dos direitos humanos na militância da vida. Muito jovem para assumir uma bronca dessas, e há quem diga que eu tirei de letra.

Na mesma época, tive os primeiros contatos com a internet. Ainda de forma tímida, com poucos sites e sem muita habilidade, entendi que da sala de casa meu alcance podia ser maior do que os seminários de juventude. Conheci pessoas de todos os cantos do mundo, pode considerar que aprendi a falar inglês desse jeito (séries e filmes também contribuíram).

No lugar de bitcoins, as músicas eram moedas de troca. As imagens ainda eram coadjuvantes, num contexto geral. No lado virtual, tive paixões e decepções, vivi o bullying de perto, nunca quis excluir nenhum comentário ofensivo a meu respeito. Não fazia parte do clube das populares, minhas condições financeiras também eram limitadas, mas ter a internet como minha aliada era foco principal.

Nunca pensei em silenciar. Curiosa ao extremo, o próximo passo, na adolescência, escolhi estudar jornalismo na faculdade para desenvolver ainda mais essa habilidade com as histórias. Independentemente das milhas de distância que uma pessoa está de você. Só eu sei o que eu sei sobre você, na internet isso é mais latente. Não tem olho no olho, não dá pra ser literal, seu coração está nas pontas dos dedos. O afago também vem com abandono, isso também acontece na vida real, e dói o mesmo tanto.

Das escolhas que nos levam para caminhos desconhecidos e despertam os sentidos primitivos e primordiais para a vida. O ciclo da boa nova, exercito a autorreflexão e dedicação para este espaço como ferramenta de histórias.

Sem a pretensão da autopromoção gratuita, mas deixo claro o compromisso público de olhar para a vida do outro como se fosse a minha. No artigo que estreia conto parte da minha trajetória e algumas peculiaridades que passei ao longo de três décadas de vida sendo 19 anos online.

Quando recebi o convite para escrever no Comun, foi como um chamamento. A crua realidade do protagonismo da vida alheia. Começo comigo, também porque me considero uma pessoa comum com muitas oportunidades.

Precisei fazer escolhas mesmo sem ter plena certeza delas e a visão que tenho sobre o mundo foram determinantes a partir dessas escolhas. Mesmo sem muito para falar e com pouco exercício da escuta, já tinha condições de interpretar outras vidas e buscava escoá-las para seu sentimento ser propagado.

O cinema foi a arte que me pescou. Desde adolescente estudo as técnicas do audiovisual, o que me rendeu a produção de curtas-metragens como diretora e assistente de direção e na organização do festival Curta 4.  Ajudei na produção curtas-metragens, dirigi três curtas e participei como assistente de direção do curta “Geyzislaine, Meu Amor”, vídeo-exercício do Curso de Cinema do Centro de Artes Cláudio Santoro que hoje coleciona quase três milhões de visualizações no YouTube.

Quando completei 18 anos de idade, entendi sobre minha própria existência ao ler o Estatuto da Criança e do Adolescente. Artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. A nova geração do jornalismo no Amazonas, dificilmente vai saber a importância da Agência Uga-Uga de Comunicação, tive o privilégio de ter tido como base na área da Educomunicação como estagiária pela Unicef no último ano da ONG. Imagina como eu me sinto como vejo os vícios do antigo jornalismo voltando com força total.

Aos 19, fiz parte da turma do Curso de Comunicadores Populares de Base e nunca mais enxerguei a comunicação com os mesmos olhos, conheci genuínas fontes de inspiração e exemplos que mudaram consideravelmente meu jeito de encarar a vida. Minha participação no curso até me rendeu uma vaga de repórter no jornal Manaus Hoje, meses depois da formatura.

Um jornal popular é muito subestimado pela academia por isso que minha garantia de buscar sempre algo de qualidade era dobrada. Eventualmente precisei fazer matérias policiais, rondas e essa rotina fetichista que o público gosta, ainda assim encarei com seriedade. É muito desconfortável saber mais detalhes do fim de alguém do que a própria mãe desse alguém.

Haters estão na nossa vida desde sempre, não foi a internet que os criou. Tem sido muito fácil espalhar ódio. Não tenha medo de redes sociais ou novos aparelhos tecnológicos, muito pelo contrário, é possível que esteja faltando pessoas como você. Não se preocupe, porque não vai desenvolver um espírito consumista e nem um método de vida descartável. Eu sou a prova viva que as relações virtuais podem ser mais promissoras do que se espera. Sem precisar forçar a barra com o politicamente correto. A vida latina nos permite ser assim, pra ser feliz ninguém precisa pirar no sonho americano.

A busca do protagonismo juvenil ainda ferve na minha vida com uma iniciativa com alguns amigos na criação de um veículo de comunicação colaborativa. Com a plataforma livre de interpretação e criação com base nos principais assuntos amazônicos. Como o mais simples dos acompanhamentos gastronômicos, quando o caboclo junta a água com farinha e faz dali um Xibé que garante o sustento daqueles que tem fome.

Referências de todos os tipos de vida e percepções, precisamos conviver com isso a vida inteira, e a internet, com o intermédio das redes sociais, nos força muitas vezes a codificá-los por suas crenças, convicções políticas e diferentes dialetos. Com quase duas décadas na internet, eu te digo, meu leitor oculto: Não há manual para ser o melhor.

A essa altura do campeonato, não são mais palavras cibernéticas que fazem os trend topics, já foi verbalizado. Você precisa entender e se esforçar (ao máximo) para ser melhor como pessoa. Isso não é lição moralista, são fatos. Quem aqui conhece alguém que já pegou demissão por que falou mal do chefe no twitter? Ou queimou a empresa no facebook?

O peso da opinião já me deixou em cima do muro, escrevia no meu blog pessoal, um site pouco visitado, algumas vezes fazia criticas negativas a artistas e bandas iniciantes. Repercuti para o pessoal, conversei com os envolvidos e aos poucos decidi que o melhor passo era trocar a ideia antes da “ofensa” gratuita. Maturidade ON!

A empatia sempre foi uma costa larga, como ninguém percebeu? Ela precisa ter moral, assim como a sororidade, já tem dentro da gente, basta deixar agir.

 


*Renata Paula é amazonense, natural de Manaus, formada em comunicação social com habilitação em jornalismo desde 2010, trabalha na assessoria de comunicação do Seconci Manaus, desde 2011, realiza o Prêmio Xibé da Música Amazonense e atua como editora executiva do Portal Xibé

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