Ivânia Vieira¹
Há um ano um grupo de adolescentes do Jorge Teixeira fez, sem saber, ensaios cartográficos do bairro. Reunidos pelo projeto Comunicadores Populares de Base², garotas e garotos foram estimulados a pensar sobre as comunidades onde moravam e listar o que mais gostavam e o que mais rejeitavam nelas.
Ao final do exercício, dois mapas desenhados em cartolina branca foram apresentados na sala da Igreja São João Batista. Traduziam, ao refletir sobre o lugar de morada, conversas, percepções e sentimentos dessa turma com idade entre 12 e 16 anos. Relações de amor, medo, constrangimento, violência, amizade, dimensões culturais e ambientais intercruzaram-se nas linhas desenhadas para exprimir o que pensavam.
A avenida Itaúba feito uma longa cauda aparecia no imaginário dos adolescentes como lugar de muitas árvores frondosas. Era bonita e convidativa porque as árvores promoviam sobras, abrigavam aves e cantavam sons diversos acionados pela chuva ou pelo vento; na grande área da “Feira do Produtor”, desenhos contavam cenas dos assaltos a mão armada, acidentes com carros e um buraco enorme enunciava outros traços de abandono.
Pessoas dançando rascunhavam a agitação cultural da área. Tinha cantoria, performance corporal e público interessado em ser parte desse outro espetáculo do Jorge Teixeira. Uma face tão escondida pelo discurso midiático disseminado na etiqueta única da violência onde fronteiras estabelecem as áreas vermelhas constituídas de fora para dentro e, paradoxalmente, definidoras de espaços e pessoas.
A representação feita pelos adolescentes ganha importância como instrumento pedagógico na direção da autonomia e da liberdade. O mapa do bairro concebido por eles expõe elementos para inúmeras conversas envolvendo indicadores de sociabilidade, da geopolítica comunitária, de comparação com outro bairro; como possibilidade real para pensar intervenções culturais que tenham nas juventudes do lugar o protagonismo.
Ser adolescente ou jovem em comunidades representadas marcadamente pela violência é um dilema a mais. Este grupo revelou ter vergonha de informar onde morava quando “ia à cidade” porque costuma ser mal recepcionado ou colocado sob suspeita diante de qualquer ocorrência ilegal. E no desenho do mapa escreveu a descoberta do orgulho de perceber coisas boas que acontecem no bairro e a maioria das pessoas de lá e de outros lugares não conhece.
Eis algumas trilhas abertas pelos adolescentes ao rascunharem um mapa da comunidade. A comunicação, realizada eticamente, desenha políticas mais justas e solta a voz da denúncia daquelas e daqueles oprimidos pela cultura da violência. É no exercício comunicacional que outros valores podem ser restituídos e instituídos como bússola do bem-viver. Que o sonho tracejado dos adolescentes seja mais contundente e voe ativo sobre os atos de morte oferecidos pela omissão de gestores públicos.
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¹ Jornalista, Professora da FIC-UFAM
² O Projeto Comunicadores Populares de Base integra o Programa LigAção – Meio Ambiente e Cidadania na Amazônia, desenvolvido pela Faculdade de Informação e Comunicação (FIC), Pró-Reitoria de Extensão e Interiorização (Proexti), da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) em parceria com a Área Missionária Santa Maria Goretti.
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